04 dezembro, 2008




(.... o meu nariz continua esmagado atrás de uma lente de fotografia. Acho que é o meu jeito de não esquecer como as coisas podem ser surpreendentes e bonitas, através dos olhos de uma criança. Diferentes.)

eu nunca tinha lido o pequeno príncipe, e gostei.

29 outubro, 2008

resumida


Eu vivo como se o dia fosse uma grande fotografia, em que os instantes, um atrás do outro, ou todos embaralhados, se paginam na minha frente.
Junto, recorto, jogo fora ou coloco molduras. Depende do dia.
Gosto de ver o que ninguém mais percebe e, dificilmente, recorda.
Gosto de vento no meu cabelo, do azul tinta-bic do céu fim de tarde e de acordar com silêncio. Nada disso é reproduzível, e me deixa muito feliz, porque sou extremamente egoísta.
É tudo só meu, irrepetível até que o outro dia.
Na segunda série me disseram que eu não sabia fazer poesia.
Hoje, chego perto através das minhas lentes, de óculos, de contato ou de Canon. Mas se eu soubesse, sempre teria uma nova esgarranchada no final do caderno.

28 julho, 2008

madeira


Porque era velha, de tanto usar.

Desde que precisava de almofada azul numa cadeira para conseguir enxergar acima do papel.

Lugar de balançar os pés, segurar o lápis de cera - até grande demais - e rabiscar além da folha.

De cantos arredondados, polidos, caso bebês bambos trombassem com ela durante a procura das suas próprias pegadas, como de vez em quando acontecia.

Cola, suco de maracujá, glitter do cartão de dia das mães, figurinha do amar-é, tinha marca de tudo desde os meus sete anos naquele pedaço de madeira.

Ela era da época em que comecei a escrever.

E depois parei, porque a escrita começou a ser algo que eu sempre fazia errado, gramática, estilo, linguagem, o que fosse, estaria retorcido.

Um jogo de erros escondidos que só aparecem quando outra pessoa, que não eu, esteja lendo.

Então dei minha escrivaninha.

21 janeiro, 2008

Entre Roma, madeira e damas encontro a Beira-Mar

"Eta sol quente!" Tenho certeza de que este é o pensamento que passava pela cabeça da maioria das pessoas que andavam no calçadão da Avenida Beira-Mar. Por sinal, de cabeças bastante aquecidas pelo sol cearense. Nada melhor do que o calor do sol para acordar, já dizia minha avó. Como muitas outras pessoas, também caminho, e começo a pensar comigo mesma. Muitas vezes, a jornada é mais importante que o destino, alguém muito importante já dissera. Pois bem, o meu desafio, a minha jornada, vai do Clube Náutico ao fim da Beira-Mar. No entanto, expressões como "arre, Fortaleza quente", chegam aos meus ouvidos logo que começo a andar, e não levo mais do que uma fração de segundo para concordar com o turista desavisado que, na pressa de ver o mar, esqueceu o seu boné.

Andar no sol, observando o piso quadriculado do calçadão, quase me conduz a uma sensação de torpor, mistura de hipnose e aquecimento do corpo, fazendo minhas pernas andarem quase que por si mesmas. No entanto, algo me desperta a atenção, me acorda para o mundo. Retrato de infância ou imaginação de criança, o real se fundia ao ilusório. Presente na minha mescalina – antes eu não sabia se era real ou não – eu encontrei o meu Coliseu. Uma pequena Ágora, uma simples arquibancada de frente para o mar, me gritava aos olhos que ainda existia. De verdade.


Quando criança, eu brincava naquelas pedras, me imaginava gladiadora lutando com leões, ou simplesmente recitando uma peça grega, entre aquelas escadas já desfeitas pela maresia. O tempo também desfez a minha lembrança de aquele lugar era real. Mas era. O meu Coliseu existia. Depois disso, voltei a redescobrir a Beira-Mar. Quantas outras coisas eu devo ter esquecido... Pouco a pouco, retomo a minha sintonia com a praia.


De repente, sem saber como explicar, me encontro sentada no casco de uma jangada em construção, apoiada entre as vigas de madeira crua. Mestre Israel, marceneiro desde 1958, parece não se incomodar com a minha presença. Trabalha calmamente, como que guiado pelo ir e vir das ondas. Seguindo o ritmo, puxa a lixa para frente e para trás, por quantas vezes for necessário para que a madeira fique com um acabamento impecável.

O cheiro de serragem, de peixe fresco e o barulho das ondas, tudo remete à maritimidade. Na Beira-Mar, é impossível não imaginar a si mesmo numa jangada, velejando, olhando a cidade que diminui vista do alto-mar. Quase consigo sentir a água morna na ponta dos meus dedos, quando o mestre Israel fala: menina, afasta um pouco, pra eu lixar aí...


Acordo do meu devaneio, e vejo que o novo casco está quase pronto. No pequeno estaleiro improvisado na areia da praia, entre castanholas e coqueiros, muitos outros jangadeiros trabalham. Consertam seus barcos, garantem os seus meios de vida. Sabem que a competência no reparo das jangadas é crucial para a segurança de si mesmos. Principalmente quando precisam navegar ainda no escuro, quando muitos homens são perdidos na batalha com o mar. O escuro é perigoso, dizem alguns. Leva barcos e também homens.


Continuo a redescobrir a praia e, na minha busca, observo mãos grossas, movendo com dificuldade e cuidado, tampinhas de refrigerante num tabuleiro rústico tracejado no chão, quase se apagando. Esses dedos pegam com algum esforço – mão de pescador é grossa – as tampas que fazem as vezes de peças do jogo. Os pescadores ociosos, que esperam as últimas jangadas voltarem pela tarde, jogam dama. Não importa o tabuleiro, pode ser um tracejado no chão, não importam as peças do jogo, podem ser tampinhas de um refrigerante qualquer, as mãos movem as peças com a mesma vivacidade de quem sabe o momento certo de puxar o anzol, ou recolher a rede. Alegria quase infantil de quem vence, de quem esquece os problemas do dia-a-dia por alguns momentos. Ou por uma partida inteira.


O ruído das pedras batendo no chão mistura-se ao som das marteladas do mestre Israel construindo seu barco. Ele diz que a "Rainha das Águas", sua jangada, não vai demorar muito para ir ao mar. E me convida para um passeio, quem sabe, no futuro. Pode ser, mestre Israel, pode ser... Ir longe até sumirem os prédios! Mas acordar às três da manhã para estar no mar logo em seguida, infelizmente, foge aos meus princípios. Agradeço, me esquivo do convite, e me preparo para ir embora. Olho o mar mais uma vez. Ainda há tanto para redescobrir nessa Beira-Mar... Um dia, ainda virei ver as jangadas saindo com um sol que, mesmo tão sonolento quanto eu, insiste em sair e enfrentar o dia.