03 setembro, 2006

Um ritual para acordar

Eta mania essa minha de espiar por entre as frestas da minha janela! Preguicosa - sim, isso me permandece intacto - , levanto meio corpo e coloco o nariz junto ao vidro gelado, meio escondido pela cortina de plastico.

A nevoa branca de todos os dias. Hum, la esta, no alto daquela ladeira. Sempre branca, densa, a mesma todas as manhas. Insistente e sorrateira entre aqueles pinheiros e esses carvalhos. Eu a mesma? Talvez nao, me pego pensando. Alias, nao comeco coisissima nenhuma. Corto o que seria um longo pensamento sobre tudo e todos, sobre mim e o mundo, e me ponho de pe. Nada de filosofias numa manha de tantas brumas. De um pulo so, calco os chinelos, desligo o alarme que tocaria alguns minutos depois e me empurro rumo ao banheiro.

Normalmente, durante o banho, musicas estranhas me veem a cabeca - de Waldick Soriano a Loompa Loompa - e canto no banheiro. Mais um novo habito estranho adquirido durante a solidao norte-americana. Outros habitos? depois, talvez, ja que essa nova mania me faz de piada entre os amigos que, curiosos, sempre me perguntam qual foi a cancao do dia anterior.

Enquanto me visto, observo a fita de palha e semente amarrada no meu tornozelo. Certificado de autenticidade de meu status "made in Brazil", talvez. "Quase torando", diria a Dani, conterranea e colega de intercambio. A tal da fitinha, comprada a um real, me vale muito mais do que uma simples representacao da vaidade feminina. Eh meu certificado de compromisso, responsabilidade e de casamento com a terra amada. Divorcio? Talvez, quando a fitinha torar de vez. Ainda no quarto, lembro como eh raro me olharem e saberem de onde venho. A nao ser nos dias em que uso aquela camisa de futebol com o brasao no peito. Num ato quase insconsciente de auto-preservacao, juro baixinho nunca mais vesti-la para ir ao Little Italy.

Aqui, ja me perguntaram a razao de nao falar espanhol, nao conhecer tacos ou nao comer pitas. "Don't you have it at home, sweetheart?", uma senhora ja me perguntou. Ja me perguntaram tambem se sou venezuelana, ou colombiana, ja discutiram sobre uma possivel descendencia indigena norte-americana no meu sangue, ja se dirigiram a mim em espanhol... Que saco, eu sou eh brasileira! B-R-A-S-I-L-E-I-R-A! Eu falo eh portugues, nao cherokee, tupi, espanhol...nem ao menos falo ingles!

Acordo do meu delirio auto-analitico quando uma voz de mulher estridente grita na minha orelha esquerda. "Anda, mulher! Arruma logo esse quarto e sai!", diz a voz. Aqui, me assombro com a frequencia com que falo comigo mesma... Alias, nem me assombro mais. Atrasada, aceito minha propria ordem e sigo, mochila nas costas almoco na mao, rumo a ladeira nossa de todos os dias.