04 dezembro, 2007

Manzuá no braço, futebol no pé e câmera na mão:

Perfil de Sidnéia Lusia

--- O sorriso e a força de uma rara mulher ---

por Deise Pequeno

Olê, mulher rendeira, olê mulher rendá...tu me ensina a fazer renda, que eu te ensino a namorar...Que renda que nada, Sidnéia quis mesmo foi aprender a pescar, a jogar futebol e a subir em coqueiro. Filha de pescador, sempre pedia ao pai para levá-la em suas pescarias. Um dia, ele cedeu, já que a criança, decidida, iria ao mar com ou sem sua bênção. Na sua primeira saída, a “água escura”, reflexo do céu, assustou e maravilhou a menina Sidnéia. “Como se fosse a noite dentro do mar”, lembra ela.


No coração de Sidnéia existem duas grandes paixões, o futebol e a pescaria. No meio delas, o mar, onde a menina aprendeu ambas as atividades. “Desde pequena eu ia tomar banho de mar e via os moleques jogando na beira da praia, na maré seca. Aí eu comecei a me interessar. Comecei a treinar com eles, mas eles não queriam deixar porque eu sou mulher. Sofri muito com isso. Eu ficava sempre de escanteio.”


O preconceito começou a fazer parte do cotidiano de Sidnéia, que escolheu a difícil estrada de ser pescadora e jogadora de futebol na pequena comunidade da Praia da Redonda. “Todo mundo me confundia com menino quando eu era criança”. E o julgamento alheio fez a menina chorar, muitas vezes, no colo da mãe, sem entender a causa de tanto estranhamento. Com 10 anos, Sidnéia já pescava “de apnéia”, só prendendo a respiração e pegando lagosta a cerca de quatro metros de profundidade no mar. Com a pesca, a menina ia comprando além de biscoitos, coisas para seu próprio quarto, como sua porta e seu guarda-roupas.


Um dia, aos 16 anos, Sidnéia recebeu um convite para vir a Fortaleza, fazer uma das coisas que mais sonhava, jogar bola em um clube. E ela veio. Deixou Redonda pela AABB e virou titular do time feminino de futebol de salão. Mas a jovem sentiu falta de sua praia, da pescaria e da família, e depois de um ano na cidade grande voltou para seu velho porto conhecido. Depois de voltar da experiência no clube, Sidnéia decidiu agora pescar com um objetivo: morar sozinha na sua própria casa. E botou a mão na massa. Sem dinheiro para contratar uma equipe de construção, chamou um pedreiro e trabalhou fazendo cimento, argamassa, colocando portas e janelas e pintando sua própria casa. Aos 21 anos, a moça pescadora tinha sua casa pronta. Hoje, Sidnéia Lusia diz com orgulho que conhece cada pedacinho de sua casa, porque foi ela mesma quem a fez. E o lugar reflete sim a personalidade da pescadora. Casa firme, com jeito de mar e aberta a amigos. Igualzinho a ela.


História que daria um filme. “Um filme não, um curta”, diz Sidnéia, sorrindo, porque foi isso mesmo que ela fez. Incentivada por uma grande amiga, Maninha Morais, Sidnéia enviou ao concurso “Revelando os Brasis” a estória de sua vida, e foi escolhida para ir ao Rio de Janeiro ter aulas de produção de vídeo. A pescadora realizou seu sonho de voar de avião e bater foto de braços abertos, dizendo “Obrigada meu Deus!”. E fazendo algo que faz parte de seu cotidiano, ganhou “os cinqüenta reais mais fáceis” de sua vida. Subindo em coqueiro na praia de Copacabana.


Sidnéia voltou à sua comunidade e filmou seu documentário, “Uma pescadora rara no litoral do Ceará”. Ganhou prêmios e mais viagens, conheceu “gente famosa” e retornou à Redonda. “Quero morrer aqui, como peixe”, diz a moça. Lá em sua praia, até o tempo passa diferente, movido a balanço de jangada. Tem o tempo da lagosta, do camarão e do peixe, tem a hora de procurar outra coisa da qual viver. Na época do defeso da lagosta, entre janeiro e março, os homens do mar ficam sujeitos apenas à pesca do peixe, onde o quilo do pescado chega a ser dez vezes mais barato do que o produto anterior. Sidnéia, mulher inteligente, decidiu não sobreviver só de biquaras, bonitos e pargos. Veio para Fortaleza e fez curso de massoterapia. Durante o defeso, as massagens lhe garantem “uma graninha extra”, bem como o serviço de guia turística nas praias da região de Icapuí. Agora, ela sonha em comprar uma moto e fazer faculdade. Sidnéia simplesmente não consegue ficar parada.


(...esse texto era para ter saído na revista do Laboratório de Jornalismo Impresso, mas enfim...)