02 outubro, 2006

Um velho sem nome

Ele era um veterano de guerra. Nascido "no vinte e seis", o velho senhor quase sem dentes se orgulhava por ter sobrevivido. Era um lutador, no fim das contas. Sobreviveu ao racismo, ao apartheid e a falta de oportunidades no sul americano. Por ser negro, entrou no Exercito "porque negro nao podia ir pra faculdade", voltou, se recompos e fez familia. Agora mostrava, de peito cheio, a foto da netinha guardada na carteira. Paciente, ele esperava o onibus num dia quente de verao. Mostrando todos os seus nao mais dentes, ria para uma menina que se assombrava com o vermelho caindo do ceu, folhas coloridas de outono. Ela olhava, imovel, de agua nos olhos, tentando entender, somente entender.- Eu tenho oitenta e elas continuam me maravilhando. Todos os anos.Ele pegou o onibus e seguiu, rumo a proxima parada.

03 setembro, 2006

Um ritual para acordar

Eta mania essa minha de espiar por entre as frestas da minha janela! Preguicosa - sim, isso me permandece intacto - , levanto meio corpo e coloco o nariz junto ao vidro gelado, meio escondido pela cortina de plastico.

A nevoa branca de todos os dias. Hum, la esta, no alto daquela ladeira. Sempre branca, densa, a mesma todas as manhas. Insistente e sorrateira entre aqueles pinheiros e esses carvalhos. Eu a mesma? Talvez nao, me pego pensando. Alias, nao comeco coisissima nenhuma. Corto o que seria um longo pensamento sobre tudo e todos, sobre mim e o mundo, e me ponho de pe. Nada de filosofias numa manha de tantas brumas. De um pulo so, calco os chinelos, desligo o alarme que tocaria alguns minutos depois e me empurro rumo ao banheiro.

Normalmente, durante o banho, musicas estranhas me veem a cabeca - de Waldick Soriano a Loompa Loompa - e canto no banheiro. Mais um novo habito estranho adquirido durante a solidao norte-americana. Outros habitos? depois, talvez, ja que essa nova mania me faz de piada entre os amigos que, curiosos, sempre me perguntam qual foi a cancao do dia anterior.

Enquanto me visto, observo a fita de palha e semente amarrada no meu tornozelo. Certificado de autenticidade de meu status "made in Brazil", talvez. "Quase torando", diria a Dani, conterranea e colega de intercambio. A tal da fitinha, comprada a um real, me vale muito mais do que uma simples representacao da vaidade feminina. Eh meu certificado de compromisso, responsabilidade e de casamento com a terra amada. Divorcio? Talvez, quando a fitinha torar de vez. Ainda no quarto, lembro como eh raro me olharem e saberem de onde venho. A nao ser nos dias em que uso aquela camisa de futebol com o brasao no peito. Num ato quase insconsciente de auto-preservacao, juro baixinho nunca mais vesti-la para ir ao Little Italy.

Aqui, ja me perguntaram a razao de nao falar espanhol, nao conhecer tacos ou nao comer pitas. "Don't you have it at home, sweetheart?", uma senhora ja me perguntou. Ja me perguntaram tambem se sou venezuelana, ou colombiana, ja discutiram sobre uma possivel descendencia indigena norte-americana no meu sangue, ja se dirigiram a mim em espanhol... Que saco, eu sou eh brasileira! B-R-A-S-I-L-E-I-R-A! Eu falo eh portugues, nao cherokee, tupi, espanhol...nem ao menos falo ingles!

Acordo do meu delirio auto-analitico quando uma voz de mulher estridente grita na minha orelha esquerda. "Anda, mulher! Arruma logo esse quarto e sai!", diz a voz. Aqui, me assombro com a frequencia com que falo comigo mesma... Alias, nem me assombro mais. Atrasada, aceito minha propria ordem e sigo, mochila nas costas almoco na mao, rumo a ladeira nossa de todos os dias.

31 agosto, 2006

Jabutis em granja de galinha

Como reconhecer que tem um brasileiro morando naquela casa:

- Lucaaaas??? Lucaaaaas?? Lucas, voce ta em casa, velho???
- Olha....ele ta sim!!!
- Como ce sabe?
- Tem uma havaiana aqui do lado da porta, ue!

Como nao ler jornal:

- Puxa, que jornal sem amarras...a materia de capa eh sobre a parada gay...
-Eh mesmo?
- A segunda materia eh sobre casais gays, a pagina de esportes eh sobre o campeonato gay de xadrez e a pagina policial eh sobre gays agredidos fisicamente...aaahn?
- Isso EH um jornal gay...
-Um jornal inteirinho? Eles tem isso por aqui???? ...porisso que aquela velhinha da parade de onibus me olhou estranho...

Como nao julgar antecipadamente:

- Que nome feio, aquele...
- Ahn??
- Tu ja viu aquele caminhao que passa todo dia por aqui, escrito "FedEx"??


21 agosto, 2006

Cade minha estrela conhecida????

Aqui, os passaros nao gorjeiam como la. Falam "please" e um "how are you" comedido e instantaneo, sem esperar resposta ou sentimento algum.

O ceu tambem nao eh o mesmo. Dificil de descrever, mas....ah! o azul, esse tambem nao eh igualzinho ao de la! Eh um azul depois da maquina de lavar - pois tudo aqui sao maquinas - um azul cansado, gasto, desbotado. Palido.

Nem o sol eh mais o mesmo. Deixando o escuro chegar somente as nove da noite, o astro rei nao se poe por aqui. Sai fugidio, se esconde lentamente e transforma o azul-tinta-de-caneta-barata em cinza-vontade-de-chorar. Eh, a noite chega sim. E com ela vem aquele balancar de arvores, aquela nevoa branca e aquela imensa vontade de se esconder debaixo da cama. O mais estranho? procurar a tal da "estrela conhecida" e ela nunca aparecer. Nao nesse ceu....

Mas a gente pode imaginar, claro! Bota uma havaiana, amarra a pulseirinha de "lembranca da bahia" no braco e aquela outra de palha no tornozelo (tem que ter sido feita por indios de verdade, senao nao tem graca...serve hippies da Beira-Mar, talvez...) e ajeita a bandeira do pai-deixado-mas-nao-esquecido que insiste em cai de cima do armario...E a gente sai para a aula de todo dia, agradecendo aquem inventou a internet (se alguem disser que foram os franceses...chulipa na certa!).

E a gente sente como se fosse so botar a mochila no ombro, pegar o onibus e estar logo em casa de novo! Brasil? A um click de mouse de distancia, nao eh, mamae?

beijos a todos!

19 agosto, 2006

...e deus fez a luz..