16 agosto, 2007

Quebre uma unha

Issaqui é uma revista fictícia que a gente huahauhaua pretende lançar algum dia!

"Ai, eu morreria de alegria se a minha cartinha fosse publicada nessa revista tudibom que eh a MaisMulher. Eu queria um conselho, tá? É moda roupitchas com estampinhas de animal? Um dia ROSA pra vocês, tá?

bombom."


Querida Bombom, respondendo à sua cartinha:

Linda, quer um conselho? Mate um tigre à unha, mas não use essas estampinhas falsas de pele de bicho caro que nunca nessa vida você poderia ter comprado! Claro, que se quebrar essa unha aí na horinha de matar o tigre, todo seu esforço de beleza acabou de ir pelo ralo, ops, pela serrinha. Mais três semanas deixando crescer, sei como é isso. Haja paciência. Mesmo assim, que coisa mais brega, essa de deixar só uma unha crescendo, de preferência enrolada num bandeide cor de pele, pra dizer que foi “acidente, ai, tô machucada”. Eta coisa de mulher de periferia pobre! Corte todas as unhas e diga para as amigas que está aprendendo violão! Elas vão ficar musgo de inveja!

Mas se acontecer de dar aquele chilique de cafonice e você cair na tentação de ter um biquíni com pele de bichinho, cabeça pra cima, não é o fim do mundo, linda! Se alguém disser que o seu biquini estampadinho é falso, negue negue negue!

Mas quebre uma unha.

É ver-da-dei-ro, você matou o jacaré naquele safári à África, lembra? Foi assim que você ganhou esse bandeide brega no indicador! E depois, vá aprender violão.

Abraço mulher, beijinho de bochecha não encostada para não borrar o batom!

A Editora.

08 agosto, 2007

Um sonho comum esquisito

Pela primeira vez, eu sonhei um sonho inteiro. Daqueles de começo, meio e fim que te fazem pensar que foi um livro, um filme, uma estória que você escutou ou uma música que passou correndo num carro de som. Durante a noite de cidade movimentada, eu nem sempre sei quando é sono e quando é acordado, fico mesmo perdida em algum lugar pelo meio de tantas horas reviradas no colchão.

Estavam chegando numa casa e se acomodando depois de uma viagem longa. Batiam os lençóis brancos, com cheiro de goma, que refletiam a luz do sol que entrava pela janela. O vão da porta da sala era arqueada, e as paredes, caiadas, eram grosseiras e alvas como os lençóis. O chão era de barro vermelho e madeira. Eram a mãe, um menino e uma menina. O garoto tinha saudades extremas do pai, mas não sabia onde ele estava. Era o tempo da guerra, época em que as pessoas sumiam e nem mesmo diziam tchau, antes de desaparecer. O pai não tinha dito tchau.

São oito e meia da manhã, e muito do que eu sonhei já parece desaparecer. Eu lembro da roupa do menino, calção preto, curto, calça branca e suspensórios. As mulheres eram de vestido, embora eu não lembre mais da cor nem cumprimento. Mas eu lembro que o menino brincava com o pai, dizia “papai está aqui” e logo depois levava um safanão da irmã mais velha, e ninguém acreditava nele. Um dia, o garoto resolveu contar para a mãe e a irmã que o seu pai estava explicando onde estava. Que mesmo no meio da guerra, eles ainda podiam se encontrar de novo, se a família o procurasse.

“Sabe aquela fotografia de família, que vocês tiraram há alguns dias? Pega ela, menino, e mostra para as mulheres que eu ainda estou aqui”, disse o pai. E, de fato, a foto em preto e branco impressa no papel grosseiro não deixava dúvidas, havia mais uma pessoa nela. Na janela à esquerda da foto, o rosto do pai agora aparecia. E as mulheres começaram a escutar o menino. E seguiram, seguiram, passaram por hospitais e bases e vilas até encontrar o corpo do pai. Vivo, mas extremamente debilitado. Depois do reencontro, mãe e filhos se reuniram em frente a uma grande janela ensolarada do hospital. E olharam a fotografia, mais uma vez. O rosto havia sumido. Com a família reunida, as forças do pai se restabeleceriam melhor.

Eu lembro claramente a alegria do rosto das mulheres, o vestido rodado refletindo a luz, no momento em que elas perceberam a mudança na fotografia. Eu acho que lembro dos sorrisos, mas não consigo reconhecer quem eram a família, cada um dos personagens. Queria ter memória melhor, sabia?

Semanas depois, com o pai reabilitado, o menino contou o que aconteceu. E o pai explicou que hum, talvez não fosse ele o rosto da foto. E também nunca falara nada ao menino sobre como poderia ser encontrado. O pai do pai há muito muito tempo também tinha ido para a guerra e também não tinha dado tchau à mulher e aos filhos. Mas o pai do pai nunca mais voltou. E se parecia muito com o pai.

Tudo o que eu me lembro, depois disso, foi o pai já completamente estabelecido, andando por uma trilha de grama com o filho nos ombros, e, ao lado dele, uma outra parelhamas translúcida: o pai do pai e um garotinho nos ombros dele. Acordei meio sem entender o sonho-estória-completa, bem a tempo de perceber meu ventilador com cheiro de queimado.

Bom dia pra todo mundo!